O ominoso Serraglio
O Conversa Afiada reproduz artigo de Epaminondas Demócrito d'Ávila:
"Transformaram o país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro."
(Cazuza, lembrado por Jessé Souza na
epígrafe de A radiografia do golpe)
Ao nomear o ínclito Osmar Serraglio para o Ministério da Justiça, o sultão Michel Temer instalou um serralho no primeiro escalão do governo federal. Deu mais um passo na direção do aprimoramento das instituições. Das suas, bem entendido.
"Serraglio", em italiano, significa "serralho". O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, do qual citamos o que interessa aqui, define:
"1 palácio do imperador, dos príncipes ou dos dignatários do Estado otomano maometano"
"2 espaço desse palácio destinado às mulheres desses personagens; harém"
[...]
"5 fig. local, casa etc., destinado à prostituição; lupanar, prostíbulo"
Nomen est omen, diz um antigo ditado latino, que não cito em homenagem ao bacharéu (bacharel & tabaréu, jamais réu), autor do decantado livro de poemas Anônima intimidade (2013), reformador do tombado Palácio da Alvorada, mas em virtude da insuperável brevidade latina: "(Este) nome é um presságio".
O novo Ministro da Justiça de ominoso nome já disse em abril: "Eduardo Cunha exerceu um papel fundamental para aprovarmos o impeachment da presidente. Merece ser anistiado." Enunciada com singeleza acessível a uma criança, a afirmação não só revela o ideário político de Osmar Serraglio, mas também o alcance da sua compreensão do e do seu apreço pelo Direito. Peculiares ambos. Serraglio foi orientado por Michel Temer durante o mestrado em Direito na década de 1980. O fruto não caiu longe da árvore.
Esmael Morais lembrou ontem que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) tornou-se "o principal marqueteiro informal do governo Michel Temer" e "desenvolveu uma nova logomarca: 'Suruba federal'. Na nova marca do governo vem a seguinte inscrição: 'Quem manda nessa porra?' 'Porra' e 'suruba' são jargões do cotidiano de Jucá."
Na última edição de TV Afiada, "A quadrilha no governo e a dos cúmplices", Paulo Henrique Amorim expõe sistemática e didaticamente o acasalamento das duas mencionadas quadrilhas e do Congresso Nacional que as transcende, na suruba. Seu objetivo: "ferrar o povo brasileiro".
Eugênio de Aragão tem biografia e idéias.
Alexandre de Moraes ostenta plágios no currículo.
E quais são as credenciais de Osmar Serraglio, cujo sobrenome também é um presságio?
Leia, amigo navegante, o artigo de Leonardo Miazzo. Qualquer semelhança com um prontuário é mera coincidência.
Em 16 de julho de 1782 Mozart estreou em Viena "O rapto do serralho", um Singspiel, termo que designa um gênero de teatro musicado muito comum nos países de língua alemã nos sécs. XVIII e XIX.
Onde acomodar o novo Ministro da Justiça na reencenação da genial partitura de Mozart?
Só podemos imaginá-lo como Osmin, o rude guardião do serralho. No terceiro e último ato, depois de descobrir a trama do rapto e prender os fugitivos, a jovem Konstanze e seu amado Belmonte, Osmin canta a famosa ária "Ha! wie will ich triumphieren, wenn sie euch zum Richtplatz führen und die Hälse schnüren zu", na qual antegoza a execução de ambos. Em tradução livre: "Ah, como não hei de triunfar, quando sereis levados ao cadafalso e garroteados." E continua, sempre em tradução livre do pitoresco e sugestivo texto original: "Hei de saltar, rir, pular e entoar um cântico de júbilo, pois agora não mais pertubareis a minha paz." Mais ainda: "Esgueirai-vos em silêncio, malditos ratos do harém, mas nosso ouvido haverá de descobri-los, e antes de escapardes, caireis nas nossas armadilhas e recebereis a vossa recompensa!"
Não é difícil imaginar o júbilo de Osmar Serraglio, se o seu projeto de alteração da demarcação das terras indígenas for aprovado, se os índios, os aposentados, a população em geral, os "malditos ratos do harém", forem definitivamente ferrados. Mas as semelhanças terminam aqui mesmo. Serraglio poderá até ser o guardião do serralho, no qual tentam transformar o Brasil. Poderá orquestrar juridicamente a suruba. Mas nunca poderá assumir o papel de Osmin, que exige um basso buffo, um baixo bufo. Sua voz é demasiado débil, nada cavernosa; seu físico não assegura a necessária presença no palco. Serraglio será o guarda-livros do serralho, o amanuense solícito, e tal personagem não foi previsto no libreto de Gottlieb Stephanie Junior, que inspirou Mozart na composição de KV 384. Mozart talvez emudecesse diante de Serraglio.
O ícone da suruba, multicredenciado para as tarefas, digamos, mais operacionais, é Alexandre Frota. Se o novo ministro desdenhar dele como Chefe de Gabinete, sempre poderá empregá-lo na portaria.
A inteligência e graça de Mozart nunca farão coro com a vulgaridade dos trombadinhas de Brasília e seus seguidores Brasil afora.
Ultra aequinoctialem nil peccari - Não há pecado ao sul do equador, eis a máxima dos primeiros séculos da colonização, citada pelo cronista holandês Gaspar Barléu em 1647.
Séculos a fio, tudo foi permitido além do equador. Agora tudo volta a ser permitido.
A mais recente equação do novo velho Brasil, que me coube demonstrar, é mesmo:
SERRAGLIO = SURUBA