"Punir culpados e debater e os remédios contra a corrupção"
Ignácio: espera-se que, de alguma forma, se desperte a consciência democrática
publicado
28/11/2015
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Ignacio Godinho Delgado:
DE SANTA LUZIA A DELCÍDIO
Em 9 de julho de 2015 fui convidado a debater com o Núcleo do PT de Santa Luzia, em Juiz de Fora, os rumos da reforma política que tramitava no Congresso e o andamento da crise política que acuava o governo Dilma. Acossado por um pessimismo visceral, enchi-me de esperança ao ver que no bairro da cidade sempre nomeado como o “berço do PT em Juiz de Fora”, velhas práticas, há muito desparecidas da vida partidária, ainda se sustentavam. Em Santa Luzia o PT ainda não se converteu num partido cartorial, mas subsiste como um organismo vivo, reunindo pessoas para debater política e organizar sua atuação, como imaginávamos, ao final da década de 1970, deveria ser um partido “de tipo novo”, capaz de operar como um instrumento dos trabalhadores para fazer valer seus interesses, no dia a dia, e para a construção de um projeto de país que reduzisse a desigualdade e forjasse uma Nação justa e solidária.
Na reunião, a perplexidade era geral, com os seis meses de desacertos do governo Dilma, enredado numa política de ajuste desenvolvida sem qualquer debate com seus parceiros sociais, tropeçando na articulação política no parlamento e inoperante na comunicação. Ademais, persistia o movimento golpista, liderado pela mídia, sustentado pela oposição parlamentar e encorpado pelas manifestações domingueiras das hordas fascistas, germinadas pela diuturna pregação do ódio efetuada por meios de comunicação oligopolizados, alinhados com a direita. A expectativa geral, que subsistiu durante todo o mês de julho, era de que, em agosto, se projetava um desfecho, com a deflagração do processo de impedimento de Dilma, que exigiria uma firme resposta dos petistas e dos movimentos sociais, apesar de acabrunhados pelos desacertos do governo.
Saí da reunião revigorado, certo de que tal resposta viria. Em agosto frustrou-se o golpe, um tanto pela ocorrência da reação orquestrada por entidades como a CUT, mas principalmente pela percepção, entre lideranças empresariais, de que o cenário de incerteza que se abriria com um eventual afastamento de Dilma poderia ser, digamos, muito ruim para os negócios. A isso se somava a falta de unidade da oposição, com diferentes projetos e cálculos políticos, esvaziando a disposição aventureira de Aécio Neves, Carlos Sampaio, Roberto Freire, Ronaldo Caiado e Gilmar Mendes, para nomear apenas alguns dos personagens mais truculentos da direita brasileira.
O próximo encontro com a tentativa de golpe foi ao final de outubro, a partir da orquestração entre Eduardo Cunha, o PSDB e o DEM, no sentido de revisar os procedimentos de deflagração do processo de impedimento, logo esvaziados pelo STF. A partir daí, com Eduardo Cunha acuado pelas exuberantes evidências de seus elos com o esquema de corrupção armado contra a Petrobrás, tudo parecia indicar a possibilidade de uma mudança de rumo e de ambiente.
O ano já nem parecia tão perdido para a luta em favor do aprofundamento da democracia, da defesa dos interesses nacionais e a da preservação dos direitos do trabalho. Conquanto os elos entre os oligopólios da mídia e a representação parlamentar continuem a desautorizar qualquer esperança numa reforma democrática da comunicação social no Brasil, a vulnerabilidade dos políticos diante da ação da imprensa, frequentemente destruindo reputações com denúncias sem provas, resultou na aprovação do direito de resposta, que serve como um contrapeso ao comportamento irresponsável da mídia. Ademais, decisão do STF eliminou o financiamento privado das campanhas eleitorais, prenunciando a possibilidade de constituição futura de representações políticas mais afinadas com a cidadania e esvaziando uma das raízes mais importantes de processos de corrupção. Além disso, duas medidas cruciais para a direita, centrais aos propósitos entreguistas e à perspectiva de retomada do crescimento a partir da precarização das relações de t
rabalho – a revisão do marco regulatório do Pré-Sal e a introdução da terceirização em atividades fins – não prosperaram como se imaginava no congresso e, por certo, se bem-sucedidas, enfim, em sua tramitação parlamentar, seriam vetadas pela presidenta Dilma. Por fim, nas ruas minguavam as ações fascistas e ganhavam proeminência o movimento das mulheres contra o conservadorismo e Cunha, a ação dos estudantes de São Paulo contra a fúria obscurantista de Alckmin, as mobilizações promovidas por articulações como a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. No âmbito do governo, até sinais de revisão na política de ajuste sugeriam a perspectiva de um final de ano mais sereno e um 2016 mais promissor.
Neste momento aparece a gravação do senador Delcídio como uma bomba a embaralhar novamente todo o jogo. Embora sua divulgação não tenha partido da Operação Lava a Jato, seu impacto seria de proporção diversa se as investigações ligadas a essa última tivessem o interesse efetivo de apenas desbaratar a quadrilha que se instalou na Petrobrás desde meados da década de 1990 (senão antes), conforme diversos pronunciamentos dos delatores premiados. Isso, sem dúvida, favoreceria o debate amplo sobre a necessária revisão dos dispositivos licitatórios nas relações entre o poder público e as empresas, bem como sobre a estrutura de governança das estatais, na esteira da punição aos envolvidos em processos de corrupção, independente do partido aos quais pertençam.
Se assim o fosse, estaríamos colhendo frutos positivos para as mudanças institucionais capazes de mitigar os mecanismos geradores da corrupção. Mas não... Apesar da abundância de indícios a vincular políticos de oposição ao mesmo esquema de financiamento de campanhas no Brasil, inclusive o da Petrobrás, e dos inúmeros casos de corrupção protagonizados por figuras destacadas da direita política, o que se vê é a seletividade nos vazamentos dos delatores da Lava a Jato; sua ocorrência em momentos chave do processo político, para responder ou esvaziar ações e eventos negativos para a direita; a estranha reorientação de uma operação como a Zelotes, convertida numa operação menor de perseguição a Lula, desdenhando seu propósito original, que acabaria por alcançar figuras destacadas da burguesia brasileira, em conluios corruptos que sustentam a prática da sonegação; os estranhos elos a ligar segmentos da Polícia Federal, do judiciário e da mídia, sob a vista complacente do Ministério da Justiça e do próprio poder judiciário; a construção de um discurso que mira apenas criminalizar uma agremiação política, o PT, tornada o inimigo do povo das inclinações fascistas que subjazem na abordagem do fenômeno da corrupção como um traço da natureza de tal agremiação, que só pode, então, ser extirpada.
Espera-se que, de alguma forma, se desperte a consciência democrática contra este cenário e possamos punir culpados e debater as raízes e os remédios institucionais contra a corrupção. Quanto aos petistas que se nutrem do espírito de Santa Luzia, espera-se a do partido a punição cabal dos envolvidos em processos de corrupção, responsáveis diretos pelo achacamento diário a que têm sido submetidos militantes e filiados, além de candidatos a coveiros do mais importante instrumento construído pelos trabalhadores brasileiros para corrigir as iniquidades que marcam a trajetória do capitalismo no país.
Ignacio Godinho Delgado é petista da primeira hora. É Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política, e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
Na reunião, a perplexidade era geral, com os seis meses de desacertos do governo Dilma, enredado numa política de ajuste desenvolvida sem qualquer debate com seus parceiros sociais, tropeçando na articulação política no parlamento e inoperante na comunicação. Ademais, persistia o movimento golpista, liderado pela mídia, sustentado pela oposição parlamentar e encorpado pelas manifestações domingueiras das hordas fascistas, germinadas pela diuturna pregação do ódio efetuada por meios de comunicação oligopolizados, alinhados com a direita. A expectativa geral, que subsistiu durante todo o mês de julho, era de que, em agosto, se projetava um desfecho, com a deflagração do processo de impedimento de Dilma, que exigiria uma firme resposta dos petistas e dos movimentos sociais, apesar de acabrunhados pelos desacertos do governo.
Saí da reunião revigorado, certo de que tal resposta viria. Em agosto frustrou-se o golpe, um tanto pela ocorrência da reação orquestrada por entidades como a CUT, mas principalmente pela percepção, entre lideranças empresariais, de que o cenário de incerteza que se abriria com um eventual afastamento de Dilma poderia ser, digamos, muito ruim para os negócios. A isso se somava a falta de unidade da oposição, com diferentes projetos e cálculos políticos, esvaziando a disposição aventureira de Aécio Neves, Carlos Sampaio, Roberto Freire, Ronaldo Caiado e Gilmar Mendes, para nomear apenas alguns dos personagens mais truculentos da direita brasileira.
O próximo encontro com a tentativa de golpe foi ao final de outubro, a partir da orquestração entre Eduardo Cunha, o PSDB e o DEM, no sentido de revisar os procedimentos de deflagração do processo de impedimento, logo esvaziados pelo STF. A partir daí, com Eduardo Cunha acuado pelas exuberantes evidências de seus elos com o esquema de corrupção armado contra a Petrobrás, tudo parecia indicar a possibilidade de uma mudança de rumo e de ambiente.
O ano já nem parecia tão perdido para a luta em favor do aprofundamento da democracia, da defesa dos interesses nacionais e a da preservação dos direitos do trabalho. Conquanto os elos entre os oligopólios da mídia e a representação parlamentar continuem a desautorizar qualquer esperança numa reforma democrática da comunicação social no Brasil, a vulnerabilidade dos políticos diante da ação da imprensa, frequentemente destruindo reputações com denúncias sem provas, resultou na aprovação do direito de resposta, que serve como um contrapeso ao comportamento irresponsável da mídia. Ademais, decisão do STF eliminou o financiamento privado das campanhas eleitorais, prenunciando a possibilidade de constituição futura de representações políticas mais afinadas com a cidadania e esvaziando uma das raízes mais importantes de processos de corrupção. Além disso, duas medidas cruciais para a direita, centrais aos propósitos entreguistas e à perspectiva de retomada do crescimento a partir da precarização das relações de t
rabalho – a revisão do marco regulatório do Pré-Sal e a introdução da terceirização em atividades fins – não prosperaram como se imaginava no congresso e, por certo, se bem-sucedidas, enfim, em sua tramitação parlamentar, seriam vetadas pela presidenta Dilma. Por fim, nas ruas minguavam as ações fascistas e ganhavam proeminência o movimento das mulheres contra o conservadorismo e Cunha, a ação dos estudantes de São Paulo contra a fúria obscurantista de Alckmin, as mobilizações promovidas por articulações como a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. No âmbito do governo, até sinais de revisão na política de ajuste sugeriam a perspectiva de um final de ano mais sereno e um 2016 mais promissor.
Neste momento aparece a gravação do senador Delcídio como uma bomba a embaralhar novamente todo o jogo. Embora sua divulgação não tenha partido da Operação Lava a Jato, seu impacto seria de proporção diversa se as investigações ligadas a essa última tivessem o interesse efetivo de apenas desbaratar a quadrilha que se instalou na Petrobrás desde meados da década de 1990 (senão antes), conforme diversos pronunciamentos dos delatores premiados. Isso, sem dúvida, favoreceria o debate amplo sobre a necessária revisão dos dispositivos licitatórios nas relações entre o poder público e as empresas, bem como sobre a estrutura de governança das estatais, na esteira da punição aos envolvidos em processos de corrupção, independente do partido aos quais pertençam.
Se assim o fosse, estaríamos colhendo frutos positivos para as mudanças institucionais capazes de mitigar os mecanismos geradores da corrupção. Mas não... Apesar da abundância de indícios a vincular políticos de oposição ao mesmo esquema de financiamento de campanhas no Brasil, inclusive o da Petrobrás, e dos inúmeros casos de corrupção protagonizados por figuras destacadas da direita política, o que se vê é a seletividade nos vazamentos dos delatores da Lava a Jato; sua ocorrência em momentos chave do processo político, para responder ou esvaziar ações e eventos negativos para a direita; a estranha reorientação de uma operação como a Zelotes, convertida numa operação menor de perseguição a Lula, desdenhando seu propósito original, que acabaria por alcançar figuras destacadas da burguesia brasileira, em conluios corruptos que sustentam a prática da sonegação; os estranhos elos a ligar segmentos da Polícia Federal, do judiciário e da mídia, sob a vista complacente do Ministério da Justiça e do próprio poder judiciário; a construção de um discurso que mira apenas criminalizar uma agremiação política, o PT, tornada o inimigo do povo das inclinações fascistas que subjazem na abordagem do fenômeno da corrupção como um traço da natureza de tal agremiação, que só pode, então, ser extirpada.
Espera-se que, de alguma forma, se desperte a consciência democrática contra este cenário e possamos punir culpados e debater as raízes e os remédios institucionais contra a corrupção. Quanto aos petistas que se nutrem do espírito de Santa Luzia, espera-se a do partido a punição cabal dos envolvidos em processos de corrupção, responsáveis diretos pelo achacamento diário a que têm sido submetidos militantes e filiados, além de candidatos a coveiros do mais importante instrumento construído pelos trabalhadores brasileiros para corrigir as iniquidades que marcam a trajetória do capitalismo no país.
Ignacio Godinho Delgado é petista da primeira hora. É Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política, e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.