"Suspeitas contra Lula lembram campanha anti-Getúlio"
A história se repete, lembra Celso Amorim
publicado
26/11/2015
Comments
O Conversa Afiada reproduz entrevista de Celso Amorim, concedida à BBC:
Suspeitas contra Lula lembram campanha anti-Getúlio, diz ex-ministro
O ex-ministro da Defesa e Relações Exteriores Celso Amorim disse que são "ridículas" as suspeitas de tráfico de influência envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que as suspeições ganham destaque por se tratar de alguém que "procurou diminuir a desigualdade e aumentar a autonomia" do país.
"Esses assuntos ganham muito mais destaque na mídia, nas elites, quando se trata de governos que procuraram diminuir a desigualdade e aumentar a autonomia do Brasil", disse o ex-ministro em entrevista por telefone à BBC Brasil na segunda-feira.
"Você vê (isso) na história do Brasil em vários momentos, você tem o período (Getúlio) Vargas, (essas) questões aumentam enormemente."
Lula é investigado pelo Ministério Público Federal por suposto tráfico de influência em favor de empresas brasileiras no exterior após ter deixado a Presidência.
Leia também: 5 vozes da tragédia ambiental no litoral capixaba
Em outubro, o líder petista prestou depoimento voluntário à Procuradoria da República no Distrito Federal, no qual disse que presidentes e ex-presidentes de todo o mundo defendem as empresas de seus países no exterior, segundo informou o Instituto Lula. Ele afirmou que suas palestras são declaradas e contabilizadas e que não interferiu nas decisões do BNDES na concessão de empréstimos.
Amorim foi chanceler no governo Lula, quando liderou o que chamou de política externa "ativa e altiva". Foi também ministro da Defesa no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.
Ele é filiado ao PT, partido que teve nomes importantes, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, presos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava Jato.
Nesta quarta-feira, o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), foi preso pela Polícia Federal, como parte das investigações. É a primeira vez que um senador é preso no exercício do mandato.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o ex-ministro.
BBC Brasil: Como o sr. vê a crise que o PT atravessa?
Amorim: O PT tem várias correntes, várias visões. Nós vivemos uma situação econômica difícil. É claro que não é muito simples você explicar à sua base que certas medidas que são duras e que têm que ser tomadas...
O que a maioria da base do PT deseja é ver uma esperança com mais clareza. Isso é uma visão que eu tenho visto nos discursos do próprio presidente Lula. Não é negar que você tem que fazer um ajuste fiscal, que é, em alguns casos, bastante amargo...
Tem que ficar claro que o ajuste fiscal não é uma meta em si. Ela é um meio para atingir um fim maior, que é o desenvolvimento e crescimento. Eu acho que isso tem que ficar mais claro no discurso. Com o tempo creio que isso ficará. E nós voltaremos à normalidade e vamos enfrentar quando enfrentar as próximas eleições, como se faz numa democracia.
BBC Brasil: Mas não me referia só à crise econômica, mas à crise de imagem. Vários líderes do PT foram presos acusados de envolvimento em casos de corrupção...
Amorim: Eu acho que o sistema eleitoral brasileiro é um sistema corrompido e indutor da corrupção.
Então, (com) a reforma política, se realmente ficar afirmado que vai terminar o financiamento empresarial a eleições, talvez se evoluir para uma reforma, inclusive, eleitoral, que barateie o custo das eleições e dê maior representatividade, vamos evitar situações que propiciam ou que acabem criando situações como essas que ocorreram.
BBC Brasil: O que o sr. considera das suspeitas sobre tráfico de influência envolvendo o ex-presidente Lula.
Amorim: Acho ridículo. Primeiro, porque o presidente Lula – e eu testemunhei inúmeros encontros dele –, nunca o vi favorecer uma empresa em detrimento de outra empresa brasileira.
Ele favoreceu as empresas brasileiras como qualquer governante europeu e o presidente dos Estados Unidos favorecem suas empresas, em geral. Dentro daquilo que é feito legalmente. Nunca vi nenhuma alusão a qualquer tipo de ação que não fosse correta.
O fato de ele, depois de ser presidente, apoiar esta ou aquela empresa, ser contratado para dar palestra, também é uma coisa normal. Alguém pergunta de onde vem o dinheiro da Fundação Clinton (do ex-presidente americano Bill Clinton)? Obviamente não vem dos pobres do Harlem (bairro de Nova York).
BBC Brasil: O sr. acha que há um esforço para associar o ex-presidente Lula a qualquer crime?
Amorim: O problema é o seguinte, e isso não é para justificar ou deixar de punir as ações que sejam de corrupção. Mas evidentemente que esses assuntos ganham muito mais destaque na mídia, nas elites, quando se trata de governos que procuraram diminuir a desigualdade e aumentar a autonomia do Brasil.
Você vê na história do Brasil em vários momentos, você tem o período (Getúlio) Vargas, as questões aumentam enormemente.
Eu não estou dizendo que essa é uma justificativa. Devem ser perseguidas, devem ser continuadas as ações, e as pessoas que cometeram ilícitos e crimes devem ser punidas.
Agora, o uso político que é feito de eventuais desvios de comportamento e atos ilícitos é muito maior quando se trata de governos que têm essas duas características.
BBC Brasil: Os cortes no Itamaraty que afetam a participação do Brasil em diversos órgãos internacionais atingem a imagem do país no exterior?
Amorim: Não é bom que isso ocorra. É sempre incômodo. Eu já fui embaixador na ONU, embaixador em Genebra, além de ter sido ministro por muitos anos, então sei o incômodo que isso causa ao ministro e a embaixadores que representam o Brasil em organismos internacionais.
Mas vale a pena dizer também que nós estamos, infelizmente, neste caso, em boa companhia. Ou má, como você quiser: os Estados Unidos são o principal devedor nas Nações Unidas. Mas esse não é um exemplo a ser seguido.
BBC Brasil: Esse é um incômodo interno. Mas, no exterior, a imagem do Brasil tem sido arranhada?
Amorim: Não creio... Às vezes dentro do Brasil se tem uma percepção mais acanhada, que é reforçada em momentos de dificuldade econômica, como este que estamos passando.
Mas, como já disse várias vezes, acho que a curva é ascendente. E a percepção mundial consegue ver isso com uma maior distância do que nós mesmos, brasileiros.
Agora, é claro, se você me perguntar, como ex-ministro do Exterior eu gostaria de ver mais recursos para o Ministério de Relações Exteriores. Mas quem tem que fazer esse julgamento é o chefe de governo.
BBC Brasil: Além dos cortes, muito se diz que a presidente Dilma não deu muita importância à política externa. Alguns falam em recuo, outros falam em retração. O sr. considera que alguns avanços feitos nos anos Lula podem ter se perdido?
Amorim: Não creio, porque são coisas de longo prazo... A visão que se tem do Brasil no mundo é algo que não mudará.
Evidentemente, houve momentos em que, talvez até em função de outras prioridades, o país ficou, digamos, mais introspectivo. Não gostaria de associar isso necessariamente apenas a uma atitude do chefe de governo.
Acho que isso tem várias causas. Mas acho que os avanços não serão (afetados) porque muita coisa nova foi criada. E essas coisas continuam a funcionar.
Agora, há momentos difíceis. Por exemplo, nesse momento acho que é muito importante uma ênfase grande na América do Sul. É preciso mais América do Sul no Brasil e mais Brasil na América do Sul para que haja um equilíbrio regional, que é necessário para a região.
"Esses assuntos ganham muito mais destaque na mídia, nas elites, quando se trata de governos que procuraram diminuir a desigualdade e aumentar a autonomia do Brasil", disse o ex-ministro em entrevista por telefone à BBC Brasil na segunda-feira.
"Você vê (isso) na história do Brasil em vários momentos, você tem o período (Getúlio) Vargas, (essas) questões aumentam enormemente."
Lula é investigado pelo Ministério Público Federal por suposto tráfico de influência em favor de empresas brasileiras no exterior após ter deixado a Presidência.
Leia também: 5 vozes da tragédia ambiental no litoral capixaba
Em outubro, o líder petista prestou depoimento voluntário à Procuradoria da República no Distrito Federal, no qual disse que presidentes e ex-presidentes de todo o mundo defendem as empresas de seus países no exterior, segundo informou o Instituto Lula. Ele afirmou que suas palestras são declaradas e contabilizadas e que não interferiu nas decisões do BNDES na concessão de empréstimos.
Amorim foi chanceler no governo Lula, quando liderou o que chamou de política externa "ativa e altiva". Foi também ministro da Defesa no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.
Ele é filiado ao PT, partido que teve nomes importantes, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, presos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava Jato.
Nesta quarta-feira, o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), foi preso pela Polícia Federal, como parte das investigações. É a primeira vez que um senador é preso no exercício do mandato.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o ex-ministro.
BBC Brasil: Como o sr. vê a crise que o PT atravessa?
Amorim: O PT tem várias correntes, várias visões. Nós vivemos uma situação econômica difícil. É claro que não é muito simples você explicar à sua base que certas medidas que são duras e que têm que ser tomadas...
O que a maioria da base do PT deseja é ver uma esperança com mais clareza. Isso é uma visão que eu tenho visto nos discursos do próprio presidente Lula. Não é negar que você tem que fazer um ajuste fiscal, que é, em alguns casos, bastante amargo...
Tem que ficar claro que o ajuste fiscal não é uma meta em si. Ela é um meio para atingir um fim maior, que é o desenvolvimento e crescimento. Eu acho que isso tem que ficar mais claro no discurso. Com o tempo creio que isso ficará. E nós voltaremos à normalidade e vamos enfrentar quando enfrentar as próximas eleições, como se faz numa democracia.
BBC Brasil: Mas não me referia só à crise econômica, mas à crise de imagem. Vários líderes do PT foram presos acusados de envolvimento em casos de corrupção...
Amorim: Eu acho que o sistema eleitoral brasileiro é um sistema corrompido e indutor da corrupção.
Então, (com) a reforma política, se realmente ficar afirmado que vai terminar o financiamento empresarial a eleições, talvez se evoluir para uma reforma, inclusive, eleitoral, que barateie o custo das eleições e dê maior representatividade, vamos evitar situações que propiciam ou que acabem criando situações como essas que ocorreram.
BBC Brasil: O que o sr. considera das suspeitas sobre tráfico de influência envolvendo o ex-presidente Lula.
Amorim: Acho ridículo. Primeiro, porque o presidente Lula – e eu testemunhei inúmeros encontros dele –, nunca o vi favorecer uma empresa em detrimento de outra empresa brasileira.
Ele favoreceu as empresas brasileiras como qualquer governante europeu e o presidente dos Estados Unidos favorecem suas empresas, em geral. Dentro daquilo que é feito legalmente. Nunca vi nenhuma alusão a qualquer tipo de ação que não fosse correta.
O fato de ele, depois de ser presidente, apoiar esta ou aquela empresa, ser contratado para dar palestra, também é uma coisa normal. Alguém pergunta de onde vem o dinheiro da Fundação Clinton (do ex-presidente americano Bill Clinton)? Obviamente não vem dos pobres do Harlem (bairro de Nova York).
BBC Brasil: O sr. acha que há um esforço para associar o ex-presidente Lula a qualquer crime?
Amorim: O problema é o seguinte, e isso não é para justificar ou deixar de punir as ações que sejam de corrupção. Mas evidentemente que esses assuntos ganham muito mais destaque na mídia, nas elites, quando se trata de governos que procuraram diminuir a desigualdade e aumentar a autonomia do Brasil.
Você vê na história do Brasil em vários momentos, você tem o período (Getúlio) Vargas, as questões aumentam enormemente.
Eu não estou dizendo que essa é uma justificativa. Devem ser perseguidas, devem ser continuadas as ações, e as pessoas que cometeram ilícitos e crimes devem ser punidas.
Agora, o uso político que é feito de eventuais desvios de comportamento e atos ilícitos é muito maior quando se trata de governos que têm essas duas características.
BBC Brasil: Os cortes no Itamaraty que afetam a participação do Brasil em diversos órgãos internacionais atingem a imagem do país no exterior?
Amorim: Não é bom que isso ocorra. É sempre incômodo. Eu já fui embaixador na ONU, embaixador em Genebra, além de ter sido ministro por muitos anos, então sei o incômodo que isso causa ao ministro e a embaixadores que representam o Brasil em organismos internacionais.
Mas vale a pena dizer também que nós estamos, infelizmente, neste caso, em boa companhia. Ou má, como você quiser: os Estados Unidos são o principal devedor nas Nações Unidas. Mas esse não é um exemplo a ser seguido.
BBC Brasil: Esse é um incômodo interno. Mas, no exterior, a imagem do Brasil tem sido arranhada?
Amorim: Não creio... Às vezes dentro do Brasil se tem uma percepção mais acanhada, que é reforçada em momentos de dificuldade econômica, como este que estamos passando.
Mas, como já disse várias vezes, acho que a curva é ascendente. E a percepção mundial consegue ver isso com uma maior distância do que nós mesmos, brasileiros.
Agora, é claro, se você me perguntar, como ex-ministro do Exterior eu gostaria de ver mais recursos para o Ministério de Relações Exteriores. Mas quem tem que fazer esse julgamento é o chefe de governo.
BBC Brasil: Além dos cortes, muito se diz que a presidente Dilma não deu muita importância à política externa. Alguns falam em recuo, outros falam em retração. O sr. considera que alguns avanços feitos nos anos Lula podem ter se perdido?
Amorim: Não creio, porque são coisas de longo prazo... A visão que se tem do Brasil no mundo é algo que não mudará.
Evidentemente, houve momentos em que, talvez até em função de outras prioridades, o país ficou, digamos, mais introspectivo. Não gostaria de associar isso necessariamente apenas a uma atitude do chefe de governo.
Acho que isso tem várias causas. Mas acho que os avanços não serão (afetados) porque muita coisa nova foi criada. E essas coisas continuam a funcionar.
Agora, há momentos difíceis. Por exemplo, nesse momento acho que é muito importante uma ênfase grande na América do Sul. É preciso mais América do Sul no Brasil e mais Brasil na América do Sul para que haja um equilíbrio regional, que é necessário para a região.