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Stédile: o capitalismo que o Papa combate

O Papa é peronista.

por Conversa Afiada publicado 27/08/2015 19h18, última modificação 27/08/2015 19h20
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A solução de parte dos problemas econômicos enfrentados pelo Brasil pode estar no discurso que o Papa Francisco I fez no Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, no mês de julho. Essa é a opinião do líder nacional do MST (Movimento dos Sem Terra) João Pedro Stedile, que conversou com Paulo Henrique Amorim, na última segunda-feira (24).

“Essa bandeira que adotamos junto com o Papa de ‘nenhuma família sem terra, sem moradia digna e nenhum trabalhador sem emprego’ é a pauta para o Brasil também. Talvez aí esteja um programa mínimo, a saída verdadeira dos problemas brasileiros”, afirmou Stedile, para quem a solução da crise não está no corte de ministérios, como anunciou a Presidenta Dilma Rousseff. “Isso é perfumaria”, disse.

No evento na cidade boliviana, o Papa fez um discurso anticapitalista ao se referir ao sistema econômico como uma “ditadura sutil”.

“A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral”, disse ali Francisco I.

Na interpretação de Stedile, a crítica de Jorge Mario Bergoglio (nome do Papa Francisco) ao capitalismo “é uma crítica à etapa atual do capitalismo que leva a humanidade para uma tragédia”, explica.

“Ele critica o capitalismo como sistema econômico, ao reconhecer que ele teve o seu grau civilizatório, porém chegou a um estágio que está cavando a própria cova. Uma coisa era o capitalismo do século passado, que era fundado no trabalho, na fábrica e, digamos, havia uma certa divisão do lucro. Hoje não é mais assim. Hoje, quem controla o capitalismo é o mercado financeiro e as transnacionais”, opina.

(Leia “Banco da China corta os juros. A crise é da e na Globo”).

Na conversa com PHA, o líder do MST ainda revela cenas dos bastidores da visita do Papa à América do Sul e a razão do roteiro: Equador, Bolívia e Paraguai. “Fizemos uma gambiarra”, confessa, para que o presidente da Bolívia, Evo Morales, tivesse acesso ao Papa argentino.

Fã de Bergoglio, Stedile acredita que ele “chegou em boa hora para tentar salvar a Igreja”.

Leia outros trechos da entrevista:


Redução de ministérios

Acho que essa pauta é perfumaria, não resolve nada, pois nem diminui os gastos públicos nem altera a política.

O que o Brasil precisa é fazer um debate sério sobre como vamos sair das três crises: a econômica, que depende de uma política econômica, não só de ajuste fiscal que é uma política de Orçamento. A social, que exige investimentos nas grandes cidades. E a política, que só vai se resolver com uma reforma política profunda.

Reduzir os ministérios é perfumaria. O problema no Brasil não é número de ministérios. O problema é a taxa de juros, que o Governo aumenta para ele mesmo pagar. O aumento da taxa Selic vai fazer com que o Governo gaste mais R$ 80 bi. Com um agravante: esse dinheiro é recolhido dos impostos, vai para o Tesouro, que o repassa para os credores dos títulos da dívida interna. Segundo o professor Marcio Porchan, são apenas 15 mil proprietários no Brasil. De modo que 200 milhões [de brasileiros] pagam para 15 mil.


Papa no Equador, Bolívia e Paraguai

[Ele fez esse roteiro] porque, primeiro, tinha um compromisso e identidade latino-americanos. Ele precisava vir à América Latina. Ele é peronista.

Ele não poderia ir à Argentina em período eleitoral e escolheu Equador e Bolívia. Aí a Cúpula do Vaticano certamente disse a ele: “Para Francisco, você não pode ir em dois governos progressistas que vai soar que você só está apoiando eles”. Daí, incluiu, como gambiarra, o Paraguai. Lá, ele não deu bola ao governo do país. Se concentrou nas mulheres indígenas.


A “gambiarra” com Evo Morales

Eu acho que ele [o Papa] amarrou essa viagem com a ida do Evo para lá, pois no encontro com movimentos populares, a que eu compareci, nós armamos uma jogada com o Papa porque a Nunciatura (espécie de embaixada do Vaticano) na Bolívia fazia oposição ao governo Evo. E apesar dos pedidos para o Evo ser recebido em Roma, a Nunciatura vetava. E por questões diplomáticas. A Nunciatura deles continua conservadora.

Cá entre nós, fizemos uma gambiarra. Levamos o Evo como dirigente da Via Campesina boliviana e ele participou do encontro como dirigente social. Na janta, o Evo convidou o Papa para ir à Bolívia.


O discurso do Papa aos movimentos sociais na Bolívia

Estávamos em 3 mil militantes da América do Sul e a maioria chegou de ônibus. Inclusive, a comitiva brasileira, que representou a pluralidade dos movimentos populares no Brasil.

Não era só o MST e não eram pastorais. E esse é o acordo com o Vaticano. Ele nos diz: “eu quero o dialogo com os movimentos populares”. Então, tinham povos indígenas, movimento negro, hip hop, levamos uma mãe de santo, que esteve com ele na mesa.

O Papa entrou no salão, mas logo se percebeu que ele se sentia em casa.


Terra, teto e trabalho

A bandeira do Papa – terra, teto e trabalho – isso significa os problemas fundamentais da população do mundo inteiro, os direitos humanos básicos.


O Papa e a política

Acho que o Papa tem uma avaliação crítica da política institucional, não o acho tão crítico à forma partidária.

Não vejo nele uma critica a partidos. O que vejo é critica à democracia burguesa, a essa forma de fazer política institucionalizada.

Ele quer valorizar os movimentos populares.


O Papa e o capitalismo

Ele critica o capitalismo como sistema econômico, ao reconhecer que ele teve o seu grau civilizatório, porém chegou a um estágio que está cavando a própria cova.

Uma coisa era o capitalismo do século passado, que era fundado no trabalho, na fábrica e, digamos, havia uma certa divisão do lucro. Hoje não é mais assim. Hoje, quem controla o capitalismo é o mercado financeiro e as transnacionais.

Não é só uma crítica à taxa de lucro. É uma crítica à etapa atual do capitalismo que leva a humanidade para uma tragédia.


O que você trouxe de Santa Cruz de la Sierra

Essa bandeira que adotamos junto com o Papa de “nenhuma família sem terra, sem moradia digna e nenhum trabalhador sem emprego” é a pauta para o Brasil também.

Talvez aí esteja um programa mínimo, a saída verdadeira dos problemas brasileiros.

Acho que o Papa veio em boa hora e acho que ele vai tentar salvar a Igreja.